Foi com Alan Moore em Watchmen que eu comecei a valorizar os personagens pela dualidade e humanidade que eles possuem. Atos bons e ruins simultâneos, tal como a maioria de nós é na vida real, é desenvolvendo a capacidade de fazer o leitor se questionar quando lê uma história sobre quem de fato possa estar certo ou errado, ao invés de entregar tudo didaticamente, que um escritor faz obras memoráveis para serem sempre discutidas. Abaixo eu separei seis dos melhores contos para mim envolvendo vilões, as motivações que cada qual tem, servindo de um contraponto ao leitor que em boa parte das vezes possa ter uma visão unidimensional deles.
Como o nome já diz, eles são vilões, a meu ver o que separa ele das contrapartes foi à maneira fraca e por vezes irracional que lidou com a dor, ou inteligente, vai depender do seu ponto de vista...
7° DOUTOR DESTINO – Os Livros de Destino – (Por Ed Brubaker e Pablo Raimondi)
“O único movimento do campo de batalha naquela manhã foi meu. Os homens do rei me foram entregues pelo soldado que libertei na noite anterior. E quando caminhei até eles, eles se afastaram de mim, abrindo caminho para o seu novo governante passar.”
Fazia muito tempo que eu queria ler essa mini-série, quando a encontrei na banca há umas semanas atrás, comprei sem titubear, e vou confessar: ficou abaixo das minhas expectativas, não chega a ser uma história ruim, mas fica claro o quanto deixa a desejar, primeiramente pela figura deslocada do Destino como narrador nas páginas, e segundo pelo roteiro passar muito rápido por fases da vida de Victor, sem maior aprofundamento, Ed Brubaker tentando não se estender muito e fazer apenas um básico para não passar em branco... Mas a história ainda tem bons pontos, como quando ele retorna a Latvéria para confrontar o ditador, se a HQ fosse centrada só nesse conflito, ela teria uma nota alta.
Vale ler para se ter uma ideia melhor do que significa “magia e ciência juntas” praticadas pelo Doutor Destino, bem como vislumbrar que tipo de derrota para um demônio pode-se ter um rei virtualmente invencível. Doutor Destino sempre foi um dos melhores vilões da Marvel para mim, justamente por ser um dos mais poderosos intelectos dentro do universo Marvel, com poderes muitas vezes que beiram os de um deus, conseguindo enfrentar tranquilamente o Homem de Ferro em tecnologia, Thor em poder, ou Hulk na força bruta. Raramente eu vi o Doutor Destino ser bem trabalhado em uma HQ, com a inteligência e poder que ele tem, ele no mínimo poderia ter dominado uma boa parte do mundo como dominou a Latvéria, assim como Magneto já poderia ter conseguido exterminar ao menos metade da raça humana...
Nota: 7.2
6° Lugar: ESPANTALHO – Arcos entre as edições #10 á #15 do título Cavaleiro das Trevas (Novos 52) – (Por Gregg Hurwitz e David Finch)
“Viu? É por isso que eu entendo você, Batman. Você não tem medo de nada, exceto do próprio medo. É por isso que você é levado a se provar vez após outra, assim como eu. Só que você não pode, porque eu dominei o medo, e você ainda foge dele.”
Esse título não começou bem. As histórias estavam fracas, os Novos 52 estavam sendo criticados constantemente por leitores fieis, e Paul Jenkins fazendo histórias inferiores onde o Batman encontrava vários e vários vilões servindo de “peões” para uma aparição ridícula do Bane no final, não ajudava em nada. Porém, houve algo de bom nisso tudo, um personagem que apareceu rapidamente, que ganhou uma forma impactante pelos traços detalhados de David Finch: O Espantalho. Por mais sorte ainda, um roteirista que eu vim a conhecer nesse título, assumiu o controle da situação o roteirista Gregg Hurwitz, que já começou o trabalho decidido a mostrar um Espantalho potencialmente trabalhado, cruel ao mesmo tempo que frágil.
Diferente dos outros dessa lista, esse material não é uma mini-série sobre o personagem, mas Hurwitz escreveu tão bem o Espantalho, que resolvi colocar aqui. Pessoalmente eu considero o Espantalho uma contraparte do Batman ao nível do Coringa, assim como considero um dos poucos defeitos do Batman Begins ter sido não ter dado um papel maior a esse personagem.
O resultado é uma terapia que Espantalho faz com Batman, como forma de passar adiante toda a desgraça que o pai lhe fez afirmando estar lhe passando uma benção. Batman e Espantalho entram juntos em uma jornada de autoafirmação em cima dos símbolos que representam, colocando em xeque a coragem inabalável de Batman. Um conto sobre desespero, medo e persuasão sádica.
Nota: 7.4
5° Lugar: BANE - A Vingança de Bane 1 e 2 – (Por Chuck Dixon e Graham Nolan)
“Eu já nasci condenado, o mundo é a minha prisão, eu devo ser dono dela, ou então ser liberto pela morte.”
Vou se sincero, na visão que eu tenho do universo do Batman, eu acho bem mais crível o Bane ser um líder da Liga dos Assassinos (apago propositalmente a Tália do filme da minha memória), golpista militar e suposto “libertador da opressão” do que a versão original dos quadrinhos, onde ele se utiliza de veneno para ficar mais forte e inteligente, não que a história dele seja ruim, mas é o tipo de personagem que combina mais com o Homem-Aranha ou Wolverine, que possuem inimigos mais fantásticos.
Mesmo preferindo a versão cinematográfica, a história do Bane é notável. Ele é uma espécie de Batman ainda mais calejado pela vida, com a mãe condenada a perpétua enquanto ainda estava na barriga dela, Bane já nasceu na prisão e lá ficou até sua vida adulta. Enquanto Bruce Wayne foi destruído pelo assassinato dos pais, mas ainda pôde se recompor e opcionar entre se dedicar ao autoaprimoramento compulsivo usando suas riquezas, Bane teve que desde que criança matar e assumir uma postura alfa dentro do cárcere, ou ser morto por mais fortes. Se os escritores tivessem investido mais no lado brutal e menos na ficção clichê de “adquirir poderes com experimentos”, estaríamos diante de uma das mais inteligentes histórias da DC das ultimas décadas.
A primeira parte “A Vingança de Bane” é mais interessante, a segunda (Redenção) termina com um final brochante onde Bane encontra uma desculpa de covarde para não conceder uma revanche ao Batman. Por mais que tenham transformado o Bane em um capanga demente com o passar dos anos por incompetência dos roteiristas, imagens como ele massacrando o Batman dentro da própria mansão até a caverna e posteriormente jogando Batman de um prédio no meio da rua pras pessoas enquanto gritava ser o novo dono da cidade sempre vão ficar na memória dos leitores.
Fica aqui um pedido que a dupla Snyder / Capullo introduza em algum arco futuro o Bane da maneira que ele merece, afinal eles são a melhor dupla da atualidade para mim. Confio no trabalho deles.
Nota: 7.5
4° Lugar: LOKI (Por Robert Rodi e Esad Ribic)
“Vergonha? A palavra não tem significado para mim. Prenda um pedaço de carne ante um cão faminto. Após longas horas de suplicas, esse cão atacará você, pegará a carne e teu braço junto, isso deve ser vergonha? Ou algo próximo de vitória?”
Loki é uma obra de arte a começar pelas ilustrações impecáveis de Esad Ribic, e funciona magistralmente como uma real reflexão de Loki sobre como ele enxerga Thor, aquele que ele acredita ser seu maior inimigo de todos. Após uma derradeira derrota, Loki finalmente realiza seu plano maior sendo Rei de Asgard, ao mesmo tempo que tem abaixo de seus pés como prisioneiros, Thor, Odin, Lady Sif entre outros. O que parece ser sua maior realização, torna a fase mais vazia de sua vida, Loki vai descobrindo na prática o sentido da máxima “pesada é a cabeça que ostenta a coroa”, ao se ver cercado pelos mais diversos inimigos que o pressionam, desde reinos vizinhos que o ajudaram no seu golpe á própria Hela (deusa da morte nórdica) que reclama a alma de Thor, exigindo que Loki o assassine publicamente.
Vejo muita gente reclamar que o final dessa obra é ruim, o que eu discordo. Loki está longe de ser uma pobre vítima, assim como Thor para mim está longe de ser um nobre herói incorruptível. Tudo se trata no final das decisões que são tomadas com os poderes que se tem, e mais ainda da inteligência emocional em usá-los, é justamente isso que faz com que Loki muitas vezes pense pequeno e deixe a força física sobrepujá-lo.
Nota: 8.8
3° Lugar: CORINGA (Por Brian Azzarrello e Lee Bermejo)
“Sempre vai existir um Coringa. Porque não há cura para ele. Nenhuma cura, só o um Batman.”
O Coringa? Louco? Não mais segundo os especialistas do Asilo Arkham nesse conto, tanto é que o começo desse quadrinho já é com a irônica cena do Coringa saindo tranquilamente do Asilo depois de receber alta. Brian Azzarrello tem um ótimo artifício de criar personagens coadjuvantes muito bem construídos para as histórias que escreve, e aqui ele faz isso quase tão bem quanto fez em Hellblazer com o agente Turro.
Um bandido com o nome de Jack Frost espera receoso pelo Coringa, e logo o tira do local. O que se segue das próximas páginas, é uma história de máfia sobre reconquista de território protagonizada pelo Coringa, fazendo o leitor ter um vislumbre do outro lado do muro em Gotham como não era feito desde Piada Mortal e Ano Um: uma cidade cruel em uma guerra silenciosa de perversos contra mais pervesos, onde alguém honrado é o primeiro a ser atacado por todos os lado (A série de TV Gotham também está sabendo trabalhar isso).
Sem falar de Lee Bermejo, que consegue rivalizar em qualidade com o próprio Brian Bolland, ao mesmo tempo em que consegue aperfeiçoar o traço com o passar dos anos de uma maneira sobrehumana. Coringa é para mim, a melhor história do Coringa até agora, eu ainda considero ela melhor que Piada Mortal.
Nota: 9.4
2° Lugar: MAGNETO – Testamento – (Por Greg Pak e Carmine Di Giandomenico)
“Max, você é especial, tem um dom, é uma imensa promessa. Mas você precisa ser cuidadoso. Os japoneses dizem que os pregos que se sobrassem são martelados, está me entendendo?”
Testamento é uma história tão bem escrita, que eu considero ela o filme do Magneto que eu sempre sonhei e nunca existiu (pois tinham que fazer o X-Men Primeira Classe, que nem é essas coisas todas...) Vou logo confessar: quem eu sempre achei o mais interessante em todo o universo X-Men sempre foi o Magneto, eu achava apenas menções do passado dele nos campos de concentração, mas nunca algo concreto.
Antes do frio e irredutível Magneto, havia uma criança, franzina, talentosa, pressionada contra o muro, que teve que sobreviver ao inferno que o nazismo trouxe, o privando de sua família, amigos, aspirações ou liberdade. Testamento é um conto objetivo onde não há espaço para o heroísmo, onde cada escolha feita trará uma punição diferente a Max, aqui temos mais um caso como o de Bane / Batman, porém nesse, o maior triunfo que Max consegue é se manter-se vivo frente a tortura incurável que passou. Toda história acentua a vingança poética que o poder que Max trará um dia, que será controlar qualquer metal.
Tirando alguns extremismos, Magneto está querendo se vingar do que fizeram com ele, exterminara, tudo o que ele amava, e agora ele quer destruir de volta, deixando apenas os mutantes, uma raça que ele considera superior, é muito fácil chegar dizendo “Ah, mas ele é um nazista também, as doutrinas dele de supremacia racial são idênticas”, eu mesmo se tivesse vivido tudo o que ele passou aqui nessa história, dificilmente adotaria uma abordagem pacifista como o Professor Xavier, abordagem a qual, que mesmo visando uma convivência tranquila, em muitos casos soa permissiva e abre espaço para o inimigo.
Nota: 9.6
1° LEX LUTHOR – O Homem de Aço – (Por Brian Azzarrello e Lee Bermejo)
“Como um castelo de cartas... Contra fatos, não há argumentos. Devido a fatores químicos e ópticos, a grama aparenta ser mais verde, há não ser que se tenha cegueira a cores. Levando isso em conta... Não será a percepção mais real que a própria realidade? Não posso mudar a cor da grama, mas: e mudar a maneira com que ela é percebida? Creio que posso.”
O Super-Homem é um exemplo para as pessoas, tanto é que seu maior poder é a sua humanidade benévola, mais reforçada que a da maioria das pessoas do planeta. Mas e se tudo for uma farsa? E se um dia pesar a dura verdade que por mais que o Super-Homem se proclame um homem, ele não é um de verdade, e sim um alienígenas ultrapoderoso com potencial para dominar todo o mundo em questão de dias ou horas? E caso ele resolva fazer isso, quem poderia impedi-lo? É acertando o leitor com força com toda a repressão possível a qualquer ingenuidade e esperança de que tudo sempre vai ficar bom, que Lex Luthor conduz essa história, quebrando totalmente a imagem passada em tempos anteriores, de Luthor apenas ser um gordo rico, arrogante e invejoso, Luthor é mais do que isso aqui, é além de um gênio, um filósofo, político, cientista e gangster.
Lex Luthor argumenta tão bem em seus recordatórios ao decorrer da trama, que boa parte dos leitores chega a apoiar a causa dele “por um mundo melhor”, ao mesmo tempo em que admira a postura firme com que enfrenta os negócios do dia a dia observando engrenagem por engrenagem ao invés de ficar no topo apenas amaldiçoando o Super-Homem de sua janela (sim, ele faz isso aqui também, mas não de uma maneira ridícula como mostrado nos filmes com o Christopher Reeve). Aqui apesar de Luthor jogar adversários (incluindo o próprio Batman, que leva aqui uma justa surra) contra o Super-Homem como movimentos enxadrísticos para testar suas táticas, ao mesmo tempo que tenta eliminar e compreender o mito que o Super-Homem venha representar.
Nota: 10.0
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